
Atriz conta quase ter desistido da profissão por causa da fama: 'É muito absurdo você sair na rua e as pessoas te reconhecerem. Eu não consigo me acostumar com isso' Gerenciar uma cooperativa, patrocinar a pousada do marido (e ajudar nas tarefas do estabelecimento), cuidar do filho e ainda participar de aulas de krav magá. As atividades da Lucinda de “Terra e paixão” condizem com a de uma mulher moderna, como a sua intérprete, Débora Falabella, que faz de sua profissão um alto-falante para abordar temas importantes da sociedade contemporânea. Atualmente na novela das nove, a atriz se debruça sobre a pele de uma vítima de violência doméstica, que, enfim, denunciou Andrade (Ângelo Antônio). Vem aí: Nos resumos da novela 'Terra e paixão', retorno de Agatha pode anular o casamento de Antônio com Irene Retorno: Em 'Terra e paixão', Irene se desespera com a volta de Agatha e manda Nice matá-la Débora Falabella faz ensaio para a Canal Extra Nos capítulos da última semana, o alcoólatra foi preso após agredir a mãe de seu filho mais uma vez, e ela tomou coragem de exigir o divórcio. Para Débora, várias mulheres vêm se identificando com sua personagem, ao se reconhecerem numa relação tóxica. — O objetivo dessa história é mostrar como muitas têm dificuldade para sair do relacionamento abusivo, fazer com que elas se questionem sobre o que necessitam para se fortalecerem e acabarem com essa situação. Estou tentando tratar tudo isso com muito respeito. Na TV, você atinge um público bem grande, diversas classes sociais, por isso é uma responsabilidade enorme — avalia Débora, que já foi porta-voz de outros assuntos sérios na teledramaturgia, como os problemas com as drogas de Mel, em “O clone” (2001), e o racismo, já que Júlia, de “Duas caras” (2007), vivia um relacionamento inter-racial com o personagem Evilásio (Lázaro Ramos). O discurso do momento, no entanto, tem a ver mesmo é com o machismo. Se o ditado popular “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” era a máxima de um passado recente, o provérbio se mostra ultrapassado. Numa relação em que a mulher é silenciada, pessoas próximas à vítima não só podem como devem se meter. Pelo menos é assim que Débora age quando percebe algo de errado ao seu redor. — Eu meto minha colher, sim. Acho que a nossa sociedade mudou. As pessoas falavam esse ditado como se não interferir fosse algo natural, mas hoje em dia não é assim. Qualquer coisa que eu escuto de diferente, de estranho, para uma mulher, seja no meu prédio ou na rua, eu já fico alerta. Até com minhas amigas também. Aliás, às vezes, sou muito intrometida — afirma. Conselheira assumida Débora Falabella em ensaio para a Canal Extra Jorge Bispo Apesar de não presenciar um caso como o de Lucinda em seu círculo, Débora se diz muito conselheira em questões que envolvem relacionamentos. Com o sucesso de sua personagem na novela, uma conhecida dos tempos de colégio chegou a entrar em contato com a atriz para revelar que passou por abusos semelhantes. — Ela ficou com uma pessoa que era o sonho dela. Era um príncipe. Aí se isolou, foi morar distante da família e, de repente, se viu numa relação totalmente abusiva. Quando percebeu, já estava muito sozinha. Acho cruel demais. Nesses relacionamentos tóxicos, os homens afastam também as amizades das mulheres. Ela passa a viver para aquela família. E aí realmente é difícil sair da união. Como essa pessoa vai se libertar se ela não tem ninguém do lado dela? — questiona a atriz, que também já viveu relacionamento tóxico. — Em momentos da minha vida já passei por isso (relações tóxicas), em algumas relações, nas formas de se separar ou não, mas eu acho que tem coisas... É melhor olhar para frente. Não gosto de ficar cavucando e vendo se alguma relação foi abusiva para expor algo — desconversa. Em situações de traição, Débora diz que também alertaria uma amiga, caso fosse testemunha de um adultério: — Claro que se eu vir um cara sacaneando a minha amiga, se eu vir ela sofrer por um sujeito escroto, eu vou falar, conto mesmo. Nunca aconteceu. Mas também existem tipos de combinados entre os casais, e aí temos que respeitar aquele pacto, né? Busco não sair julgando uma situação antes de saber exatamente do que se trata. Escândalo Durante a entrevista para a Canal Extra, Débora surgiu na videochamada com uma camisa em que estava escrito “escândalo”, fazendo com que o repórter ficasse curioso para saber o que é capaz de escandalizá-la. — Há uma caretice no mundo muito grande, uma violência em relação a gênero... Quanto mais a gente avança em alguns temas, mais os conservadores ficam preocupados. Eles vão em cima, mas acho que várias situações me escandalizam. O governo (Jair Bolsonaro, 2018-2022) que a gente passou, por exemplo, para mim realmente foi um pesadelo. Não que a gente não esteja passando por questões dificílimas no país, mas o que aconteceu com a gente nos últimos anos me escandalizou — disse. Débora Falabella em ensaio para a Canal Extra Jorge Bispo Outro grupo radical tira a artista do prumo. Em uma postagem recente em suas redes sociais, Débora chegou a desabafar sobre o movimento Red Pill (homens que valorizam a masculinidade e propagam o ódio contra grupos). Segundo a atriz, lidar com pessoas que seguem essa doutrina é insuportável. — Está difícil dar conta desses homens héteros. Ainda bem que eu sou casada com um muito legal (o diretor e roteirista de cinema Fernando Fraiha). A gente não está aguentando. Ainda mais com esses caras conservadores, eles ainda causam um grande estrago. Chega a ser ridículo. Parece que a gente está lidando com ogros e brutamontes. É muito triste mesmo e chega a ser vergonhoso a gente ainda ver esses caras agindo desse jeito. O problema é que esses homens ainda matam mulheres e mandam no mundo de alguma forma — afirma. Bases fortes Enquanto muitas mulheres criam redes de apoio para se protegerem, a grande base de Débora para encontrar sua força foi o teatro. Criada entre as coxias, desde pequena, a mineira foi acostumada com o barulho dos aplausos. Filha do ator Rogério Falabella e da cantora Maria Olympia, a caçula teve em seus pais a inspiração para sua carreira, sem falar em suas irmãs, a também atriz Cynthia e a publicitária Junia. — Cynthia é muito minha amiga, a gente tem uma amizade que parece que ficou parada no tempo porque eu era criança, ela era adolescente. Então a gente tem até hoje as nossas bobagens de irmãs. A gente briga, é normal. Nossos desentendimentos são muito bestas, porque, às vezes, é briga de ciúme de amiga (risos). Já a Junia (a primogênita), eu vejo menos. A relação com a minha mãe é próxima, mas realmente ter irmãs mais velhas que te dão uma situada no mundo é muito interessante — avalia a atriz, que divide seu tempo entre o Rio, por causa das gravações da novela, São Paulo, cidade em que tem residência e que também acolheu Cynthia, e Belo Horizonte (MG), terra natal onde seus pais e Junia moram. Pelo pai também também ser publicitário, Débora chegou a entrar na faculdade de Publicidade e Propaganda, fez estágio, mas não chegou a concluir. Ela entendeu que as artes cênicas eram realmente sua paixão. Apesar de tantos trabalhos no teatro, no cinema e na TV, a mineira avalia fazer outro curso superior. — Ainda bem que não me formei porque não tenho a menor conexão com a publicidade, mas tenho vontade ainda de estudar Letras. É tão amplo, né? Nessa área você tem tem a possibilidade de aprender tantas coisas bacanas para a vida de artista. Já pensei em fazer faculdade de Cinema também. Se eu pudesse voltar atrás, eu não teria feito Artes Cênicas de jeito nenhum. Acho que como um curso é interessante, mas não é tão prático — analisa. Fama que incomoda Débora Falabella em ensaio para a Canal Extra Jorge Bispo Quem vê Débora arrasando na novela das nove, com um currículo cheio de personagens marcantes, como a Duda de “Senhora do destino” (2004) e a Irene de “A força do querer” (2017), não acredita que ela já pensou em desistir da profissão por conta da grande exposição de sua vida pessoal. Isso aconteceu antes mesmo do fenômeno “Avenida Brasil” (2012), trama que parou todo o país. — Eu sempre fui muito fechada. Me assustei com a invasão de privacidade e comecei a questionar a minha carreira. Eu ficava pesando os prós e os contras (de ser atriz famosa). Talvez eu tenha ficado descrente, por causa da exposição grande. Eu tinha muitas questões como “será que vou para sempre estar com a minha cara num veículo fazendo com que as pessoas na rua me reconheçam?”. Isso em algum momento me incomodou — conta a artista, que complementa: — É muito absurdo você sair na rua e as pessoas te reconhecerem. Eu não consigo me acostumar com isso, acho esquisito. Teve uma época em que eu dei uma “panicada”, mas não desisti, né? Continuei. Entendi que a profissão não era só isso, mas dei uma apavorada, sim. Entendo totalmente atrizes que desistiram da profissão, como Lídia Brondi e Ana Paulo Arósio. Elas largaram no auge. Não é fácil lidar com uma exposição de vida. Hoje, minha grande dificuldade em rede social é querer falar só sobre trabalho. Descobrindo como lidar com suas páginas na internet, Débora criou recentemente um perfil no Tik Tok para mostrar a rotina de uma atriz. Ela posta diariamente vídeos das gravações de “Terra e paixão” e curiosidades sobre a profissão para seus quase 300 mil seguidores. — Achava que nunca fosse entrar no Tik Tok. Foi interessante porque eu consigo falar do meu trabalho lá. Consigo fazer meu próprio veículo de comunicação, então a gente acaba resolvendo a nossa maneira de se divulgar — argumenta. Privacidade e Relação com o divino Na trama de Walcyr Carrasco, Lucinda mora numa pousada e tenta ser discreta com sua vida pessoal, principalmente no que diz respeito a sua relação complicada com Andrade. Porém, entre gritos e gemidos por conta da violência que ela enfrentou, hóspedes e outros moradores do estabelecimento costumavam ouvir o que se passava entre as quatro paredes do quarto do ex-casal. Na vida real, Débora também já viveu história inusitada que tirou sua privacidade durante uma viagem a trabalho para a Argentina, quando gravou “Bem-vinda, Violeta”, filme lançado este ano. — Durante as filmagens, a equipe e o elenco ficaram todos no mesmo hotel. Pela parede se escutava tudo que estava acontecendo do outro lado. Zero privacidade. Todo dia de manhã eu acordava e me exercitava no quarto com uns galões de água que eu fazia de peso. Além disso, pulava corda e fazia abdominal. Inventei lá um jeito para conseguir malhar. As pessoas me ouviam treinar. Meus amigos comentavam... Não teve jeito. Todos ficavam sabendo da vida das pessoas — relembrou. Débora Falabella em ensaio para a Canal Extra Jorge Bispo No filme, Débora interpreta Ana, uma escritora que busca inspirações na Cordilheira dos Andes para criar seu livro, lidando com as energias do universo. Já a atriz procura suas referências de outra forma. Apesar de ter uma formação na religião católica, Débora se conecta ao divino através do zen budismo e a meditação. Atualmente, ela vem se questionando se não poderia estar mais ligada à religiosidade. — Me pergunto se eu não viveria melhor com minhas angústias se não tivesse uma devoção maior na religião. Não que eu não reze nos momentos que eu preciso, ou que não tenha atitudes espiritualizadas que beneficiam o outro. Aliás, também existem muitas pessoas que estão totalmente envolvidas com alguma religião e fazem coisas péssimas. Já vi um pastor pregar o assassinato de pessoas LGBTQIA+. Está muito difícil viver nesse mundo sem uma crença, sem um antidepressivo ou sem um remédio para a ansiedade — acredita. Apesar de não fazer mais uso de remédios controlados, a atriz já tomou medicamentos para dormir e para combater a ansiedade, já que tem muita insônia. Uma das saídas para vencer o problema foi a terapia, técnica que usa até hoje, com sessões a cada semana. Corpo e mente sãos Em “Terra e paixão”, Lucinda não é muito ligada à vaidade — pelo menos não era até se envolver nos últimos capítulos com o delegado Marino (Leandro Lima). Já sua intérprete assume que gosta de se produzir, botar uma roupa bacana com uma maquiagem interessante, sem exageros. Mas a preocupação atual da artista está mais ligada à saúde mesmo. Para se manter bem, ela pratica musculação e faz treino funcional três vezes na semana. — Depois dos 30, eu virei uma pessoa que se dedica à atividade física de verdade. Claro que é por vaidade, mas muito mais por uma questão física e de sensação de bem-estar. Se eu não faço, sinto dor, me sinto mal, minha ansiedade me contamina. Então o exercício é muito mais por uma questão de saúde do que de estética — diz Débora, que é adepta do uso do laser para diminuir manchas na pele, além de ter feito aplicação de colágeno. Aos 44 anos, a pisciana se diz mais desencanada do que quando mais jovem: — Nós não queremos nos tornar invisíveis, mas, ao mesmo tempo, a gente vai perdendo um certo filtro bobo que se tem quando é mais jovem, como a preocupação pelo que o outro vai pensar de você. Aos 40 anos, a gente tem a sensação de ser mais livre. Débora Falabella e Fernando Faiha Reprodução Casada há dois anos com o cineasta Fernando Fraiha, Débora afirma que já teve medo de ficar sozinha. Ela credita seu receio à timidez que a acompanha desde criança. A característica afastava os pretendentes. — Tive momentos sozinha, mas não muito longos. Nós somos sozinhos na vida ou então vamos ser em algum momento. É bom a gente gostar de ficar com a gente e descobrir coisas boas estando sem ninguém por perto. Hoje me sinto bem comigo mesma, mas já tive medo de ficar solitária, apesar de sempre ter tido uma rede muito boa, uma família e amigos bem próximos. Estou numa fase boa! Estou há dois anos casada com o Fernando, e a gente fica muito bem junto. Mas também conseguimos ficar bem sozinhos quando estamos longe por questões de trabalho — explica ela. Mamãe coruja Lucinda (Débora Falabella), Andrade (Ângelo Antônio), Anely (Tata Werneck) e Cristian (Felipe Melquiades) em "Terra e paixão" Manoella Mello/Globo/divulgação Mãe de adolescente de 14 anos, Débora revisita sua própria trajetória ao reviver questões do passado. Ela afirma estar apaixonada pela atual fase da maternidade. — A adolescência é um momento muito importante na nossa vida,é tão incrível essa época de descobertas... Nossos pais lidavam com isso com muita ansiedade, querendo nos colocar num caminho certo. Eu também como mãe tenho essa preocupação, mas tô muito aberta. Tenho aprendido muito mais do que ensinado — afirma Débora, que, apesar de não planejar ter outra criança, não descarta a possibilidade. Ao interpretar a mãe de um menino albino que sofre com o bullying na escola (Cristian, vivido por Felipe Melquiades), Débora acredita que a principal forma de evitar agressões desse tipo é o diálogo entre o colégio e os pais dos alunos. A atriz destaca como se sentiria se experimentasse a situação de Lucinda, que vira e mexe vê seu filho sendo vítima de violência. — Eu ficaria muito mal, porque ver filho sofrer é uma das piores coisas do mundo. Acho que tem uma coisa que é instintiva, maternal, que é uma vontade de proteger, de cuidar. As crianças que fazem o bullying repetem o que ouvem em casa. A gente precisa entender como construir essa sociedade junto com esses pais, com a escola ajudando a informar os adultos também sobre as diferenças. Assim, todos ficarão atentos a essa nova geração. Vejo muito menos bullying hoje, acredito que porque tem se discutido muito mais o tema. Assim, os profissionais estão bem mais atentos — finaliza. Obrigado pela visita